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Capítulos de Gaza

Sob o céu cinzento de Gaza e nas ruas cobertas de escombros e poeira, estavam Omar e Khaled, dois meninos que ainda não haviam completado dez anos, em busca de segurança em um mundo marcado pela destruição. Omar conseguiu, mesmo em meio ao caos causado pelo bombardeio brutal, calçar seu pequeno sapato antes de sair de sua casa destruída. Khaled, por sua vez, encontrou uma jaqueta velha para se proteger do frio cortante, mas não conseguiu um calçado para proteger seus pés dos estilhaços de vidro e das pedras espalhadas.

‎‏Eles se encontraram entre os escombros de uma casa que, até ontem, era cheia de vozes e risos. Sentaram-se lado a lado, dividindo o silêncio pesado, com seus olhares refletindo a história palestina e o sofrimento de seu povo. Cada um tentava juntar palavras para expressar a tristeza que lhes cortava o coração.

‎‏Khaled começou a falar, com a voz trêmula: “Imagina só, eu saí pra comprar sal pra minha mãe. Ela sempre dizia: ‘O sal dá gosto à comida, é a única coisa que temos em casa’. Quando voltei, encontrei a casa destruída… ninguém sobreviveu. Todos se foram, e a casa desapareceu em meio aos destroços.”

‎‏Omar ficou em silêncio por alguns instantes e respondeu, quase sem voz: “Eu estava na casa da minha avó. Eles me levaram para passar uns dias lá. Depois do bombardeio, voltei procurando minha casa e minha família. Encontrei a casa em ruínas, e minha família… debaixo da terra.”

‎‏Khaled olhou para os sapatos velhos de Omar e para seus próprios pés descalços, e perguntou: “Omar, você pode me emprestar seu sapato por um tempo? O chão está frio e machuca.” Omar olhou para ele com carinho e, sem hesitar, tirou os sapatos e entregou ao amigo, permanecendo descalço.

‎‏Khaled calçou o sapato e, em seguida, tirou sua jaqueta e a deu a Omar, dizendo com tristeza na voz: “Aqui, o tempo está frio, e você precisa de algo para se aquecer.” Omar vestiu a jaqueta em silêncio, e era como se ambos compartilhassem, sem palavras, um acordo tácito de sobrevivência, dividindo o que restava de conforto no meio da destruição.

‎‏Eles começaram a revezar o sapato e a jaqueta, compartilhando os pequenos meios de se protegerem das dores da terra e do frio que os cercava. Sentaram-se juntos, relembrando memórias dolorosas e sonhos simples, que agora estavam perdidos sob os escombros da guerra. Olhavam para o céu em silêncio, como se pedissem a Deus que acolhesse as almas dos entes queridos e lhes desse forças para suportar um mundo que se tornou cruel.

‎‏Era um momento de profunda tristeza, mas em seus olhos brilhava um fio de esperança, que compartilhavam sem palavras. E assim, Khaled e Omar continuaram a dividir os sapatos e a jaqueta, enquanto o mundo permanecia cego ao sofrimento deles.

‎‏Entre o sapato de uma criança inocente e o trono de um governante, está a consciência da humanidade, hesitante, lamentando-se em um mundo dominado por lobos.

Por Dr. Hassan Al-Zein
Tradução e revisão: Lara Gregorio

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