A jornalista palestina e defensora dos direitos humanos, Shahd Safi, de 23 anos, esteve em novembro no Brasil para participar do seminário “Racismo, Colonialismo e Genocídio na Palestina”, realizado na Universidade de São Paulo, e aceitou dar esta entrevista exclusiva à Arresala.
Ela é também tradutora e professora de árabe/inglês. Shahd deixou a Faixa de Gaza em março e ir para o Egito com a mãe e três irmão, 150 dias após o começo dos ataques de Israel, iniciados em 7 de outubro de 2023. Devido as condições de segurança, ela vive agora nos Estados Unidos com uma bolsa de estudos.
Seu pai e outros irmãos continuam vivendo em escombros que restaram da casa em na Faixa de Gaza até hoje, enfrentando a situação de guerra, ferimentos, ausência de assistência e fome que atinge milhões de palestinos.
“Os principais veículos de mídia mentem e manipulam a verdadeira narrativa da Palestina como um país ocupado e oprimido e Israel como colonizador opressor estabelecido”. Shahd Safi
Arresala – Como tem sido o trabalho dos jornalistas palestino e estrangeiros que cobrem a guerra em Gaza, desde 7 de outubro, diante da escalada israelense que tem assassinado um elevado número de profissionais nestes 14 meses de agressão?
Shahd Safi – Jornalistas palestinos têm tentado o melhor para documentar o máximo de violações possível em um momento em que tem sido muito perigoso, pois Israel continua a persegui-los porque ficou claro agora que eles temem a verdade e querem esconder seus crimes.
Alguns jovens palestinos se voltaram para o jornalismo durante o genocídio, especialmente aqueles com boas habilidades em inglês, como Motaz Aziza, Bisan Ouda e Blestia. A cada dia, mais e mais palestinos estão tentando se juntar à luta para mudar a narrativa que nos descreve como terroristas e nos desumaniza, o que infelizmente está nos principais meios de comunicação, especialmente no Ocidente.
A mídia social tem servido como uma ferramenta muito boa para contar às pessoas a verdadeira narrativa dos palestinos por meio dos próprios palestinos.
Se alguém em Gaza sabe como gravar vídeos, eles definitivamente gravarão vídeos de seus arredores, que infelizmente são miseráveis e cenas de matança e destruição. Muitos palestinos acabaram sendo vistos como jornalistas, embora não seja o que eles querem, mas é a realidade que os cerca que contribui para isso.
Arresala – Como você observa a repercussão desses assassinatos na mídia internacional e regional? Existe algum tipo de apoio ou indignação por parte de jornalistas e profissionais de mídia em “Israel”, diante desses assassinatos?
Shahd Safi – Houve muita desinformação e manipulação da mídia em muitos dos principais veículos tentando alegar que o que Israel está fazendo e os crimes que eles estão cometendo se enquadram em “Autodefesa”, o que é uma grande mentira. Alguns veículos ainda não consideram o que está acontecendo em Gaza é um genocídio. Não esqueçamos que eles alegaram que o Hamas decapitou crianças, enquanto na verdade acabou sendo uma mentira que até mesmo Israel admitiu que é, e ainda assim algumas agências de notícias estão distribuindo essa propaganda.
Alguns veículos de comunicação intencionalmente fazem parecer que a vida de um israelense é muito mais importante do que muitas vidas de palestinos, dizendo que um refém israelense foi morto em Gaza por terroristas do Hamas, enquanto eles diriam que um número significativo de palestinos morreu na Faixa de Gaza sem nem mesmo dizer quem é o assassino e mantê-lo é passivo.
Simplesmente, eles dão a impressão de que os israelenses são mortos, mas os palestinos simplesmente morrem, independentemente de quão duramente foram mortos ou mesmo maltratados antes de serem mortos.
Arresala – Que mecanismos os profissionais de mídia em Gaza adotam para manter as pessoas informadas, diante da destruição da infraestrutura de Gaza e a ausência de energia elétrica, sinal de internet e até papel e suprimentos para equipamentos?
Shahd Safi – A situação é que Gaza era miserável mesmo antes do genocídio e os jornalistas não tinham acesso total aos equipamentos recentes e modernos. Eles não conseguiam acompanhar as recentes invenções e contribuições no mundo da mídia devido ao bloqueio israelense que controla as fronteiras e o que pode entrar em Gaza e o que não pode.
No entanto, sempre foi o caso de os jornalistas usarem o que pudessem e o que estivessem em mãos, mesmo que insuficiente. Por exemplo, muitos jornalistas palestinos usam suas mídias sociais e apenas seus smartphones.
Arresala – Como você avalia o apoio da população deslocada de Gaza, das famílias que perderam seus parentes nos bombardeios, à resistência palestina? Que sentimento é majoritário entre os moradores de Gaza, eles apoiam e se integram às ações da resistência?
Shahd Safi – Os palestinos em Gaza e em todos os lugares estão mais preocupados com o fim das violações israelenses dos direitos humanos. Eles têm vivido sob extrema perseguição desde 1948, enquanto Israel os tem forçado a entrar no modo de sobrevivência porque estão desesperados por segurança. Eles simplesmente querem seus direitos plenos, uma vida digna e sua liberdade.
Arresala – Como você foi recebida pelos profissionais de mídia e pelas autoridades brasileiras com quem você teve contato? Você avalia que o Brasil pode cumprir que papel em apoio ao povo palestino nesse momento crucial de sua existência?
Shahd Safi – Jornalistas que conheci foram gentis comigo e me apoiaram. No entanto, alguns deles reclamaram sobre como seus editores mudavam suas palavras para fazê-las se encaixarem na narrativa israelense.
Os brasileiros vivenciaram a colonização e sabem o que isso significa e como é. Eles definitivamente podem se relacionar com as consequências da colonização que os palestinos estão vivendo e transformar isso em ação por meio do boicote a produtos israelenses, aumentando a conscientização sobre a verdadeira narrativa dos palestinos, em tempos em que os principais veículos de mídia mentem e manipulam a verdadeira narrativa da Palestina como um país ocupado e oprimido e Israel como colonizador opressor estabelecido.
Arresala – Que mensagem você transmitiria para as autoridades e para o povo brasileiro, sobre o momento que o povo palestino está atravessando nestes mais de 14 meses de agressão israelense, que já provocou a morte e dezenas de milhares de pessoas, a maioria crianças e mulheres?
Shahd Safi – O governo brasileiro tem demonstrado consistentemente um compromisso com a paz internacional e agora, mais do que nunca, o mundo precisa de sua liderança. É fundamental que o Brasil continue a levantar sua voz em nível internacional, pressionando por um cessar-fogo, garantindo que a ajuda humanitária chegue aos necessitados e apoiando os esforços em direção a uma resolução justa e duradoura para o sistema de ocupação e apartheid que Israel vem impondo aos palestinos com base na justiça, dignidade e respeito mútuo.
Ao povo do Brasil, peço que se solidarizem com o povo palestino. Seu apoio à paz, à proteção de vidas inocentes e a um futuro justo para palestinos e israelenses ajudará a garantir que trabalhemos em direção a um mundo onde nenhuma criança, nenhuma mulher, nenhum homem seja deixado para sofrer em silêncio. Sua conscientização e defesa podem ajudar a chamar a atenção para o custo humano e inspirar outros a agir.